Maior legado da aspiração humana ao progresso, as máquinas suscitam debates polêmicos acerca de seus reais benefícios para a sociedade. Muitos, em proféticos relatos, sugeriram que a suficiência humana estaria intrinsecamente ligada ao desempenho preciso e satisfatório das novas tecnologias. De fato, observamos que o avanço humano dependente cada vez mais de tais artefatos. Os novos problemas emergentes em nossos dias são freqüentemente solucionáveis em função do poder computacional disponível nos sistemas que nos cercam.
No entanto, antigas predições feitas no auge do otimismo tecnológico mostraram-se impossíveis de serem alcançadas. A ineficiência das soluções de software frente ao aumento da produtividade no setor de serviços é uma delas. Como Edward Tenner observou em "A vingança da Tecnologia" (1997), o tempo e os custos dispensados ao conserto de pequenos defeitos nas máquinas e/ou programas executados pelas mesmas, têm contribuído para a estagnação do setor.
Se os problemas advindos da tecnologia se limitassem ao campo das frustrações, certamente obteríamos um balanço positivo. Porém, o que mais alimenta o debate são os chamados efeitos de vingança. Os efeitos de vingança diferem da classe dos efeitos colaterais no que diz respeito à previsibilidade e complexidade. É normal esperarmos que, durante um tratamento de um câncer, ocorra a queda dos cabelos como um resultado de uma quimioterapia. O ocasional aparecimento de outro tipo de câncer resultante da terapia empregada, por exemplo, seria um efeito de vingança pois, além de inesperado, tornar-se-ia um fator complicador.
Quando um programa de computador, mal escrito, começou a apagar inadvertidamente os dados dos títulos do governo em um banco nos Estados Unidos, acarretou uma dívida que ultrapassava os 30 bilhões de dólares para a instituição, que, até então, não fazia idéia de "quem" havia vendido os títulos.
Mas nada se compara aos efeitos em relação ao meio ambiente e à saúde humana. A substituição das antigas máquinas de escrever pelos teclados digitais possibilitou um aumento significativo na velocidade de elaboração e produção de textos. No entanto, observa-se um grande número de digitadores os quais sofrem de tendinite, fato que não ocorria com tanta freqüência entre os datilógrafos do passado.
Alguns efeitos de vingança, como o do exemplo anterior, são graduais, percebidos ao longo do tempo. Mas, o que dizer da catástrofe de Chernobyl? A explosão de um dos reatores, justamente quando o sistema de segurança foi desligado para a realização de uma nova simulação de emergência, deixou graves e imediatas seqüelas na vida de milhares de pessoas. Tal exemplo nos remete a um outro assunto, a saber, a necessidade de constante manutenção e vigilância.
Muitos acusam a tecnologia de promover um verdadeiro pânico entre os seus usuários. No final de 1999, muito especulou-se acerca da possibilidade de alguns dos sistemas nos quais literalmente confiamos a vida entrarem em colapso precisamente à meia noite do dia 1 de Janeiro de 2000. Aviões desgovernados, bancos de dados apagados e operações bancárias não-autorizadas eram alguns dos temores dos especialistas em segurança de sistemas, os quais logo trataram de espalhar o medo e o pânico utilizando o aparato da grande mídia. Além do pânico, os precavidos analistas de sistemas se prepararam e muitos fizeram vigília na esperança de remediar os efeitos. Resultou, na verdade, que poucos e irrelevantes problemas ocorreram.
Pesquisas realizadas dentro das fábricas de software constataram que a maior parte do trabalho dos programadores é destinada à detecção de erros e manutenção dos códigos dos programas, quando esforços mais concentrados deveriam ser despendidos na busca de soluções novas e mais eficientes.
Os projetistas de máquinas não costumam afirmar que suas criações são perfeitas. Em contraste, limitam-se a dizer que podem ser úteis e adequadas dentro de objetivos previamente estabelecidos. A área a qual mais contribui para extrapolar o real poderio da tecnologia chama-se publicidade: são as campanhas de marketing e as coberturas descompassadas e exageradas da mídia dita "especializada" que transformam um produto ou uma inovação simples, e muitas vezes nocivas, em caros e perigosos sonhos de consumo.
Maravilhosas ou não; eficientes ou não, toda a sociedade depende das máquinas e da automação em geral. O emprego de muitos depende da eficiente operação de um sistema ou programa de computador. Até mesmo a liberdade de alguns está sujeita aos diagnósticos de sistemas especialistas.
Um caso notório de total dependência esteve em discussão na Cidade do México, a qual possui aproximadamente 18 milhões de pessoas e cerca de seis presídios, todos superlotados. O sistema jurídico mexicano prevê que os presos de bom comportamento sejam liberados antes do cumprimento da sentença para se incorporarem a programas específicos de trabalhos comunitários. Para que isso ocorra, devem ser considerados uma série de pré-requisitos. Por que não deixar esse trabalho de análise extremamente complexo nas mãos de um sistema especialista o qual verifica as informações de um banco de dados e determina que um certo prisioneiro já pode receber a liberdade condicional? Essa foi a proposta desenvolvida pelo pesquisados do Instituto Tecnológico Autônomo do México e professor da Universidade Nacional Autônoma do México, Angel Kuri Morales. É evidente que, em caso de falha do sistema, presos os quais já poderiam ter as suas penas abrandadas, dependeriam do empenho de algum agente humano para perceber o erro e liberá-los.
Erros como o exposto também podem ocorrer (e ocorrem) em sistemas gerenciados por humanos. A diferença reside no fato de que sistemas computacionais são indiferentes e insensíveis às necessidades humanas o que nos faz sentirmos inseguros e impotentes quando sabemos que o rumo da nossa vida depende de uma implementação particular de um algoritmo e de sua correta execução por uma entidade sem vida, fria e literalmente calculista.
Muitos afirmam que a computação caminha para uma era de estabilidade e confiabilidade. Porém, enquanto não houver padrões de qualidade e protocolos bem definidos e estabilizados no mercado de Tecnologia da Informação para a produção de sistemas autonômicos, é bastante improvável que tal afirmação se sustente por mais tempo.
Por exemplo, o subutilizado Laboratório de Avaliação de Produtos de Software (LAPS), criado a partir do Centro de Informática da UFPE, tem, como principal atividade a avaliação do produto de software em módulos de serviço os quais segmentam a qualidade e permitem a identificação e combinação da análise por graus de importância. Entretanto, ainda há a necessidade de um modelo de projeto rigoroso para guiar as empresas no desenvolvimento, sem que haja a necessidade da avaliação do produto final a qual, muitas vezes, não será capaz de determinar e estimar com precisão a confiabilidade do produto.
Portanto, em todas as áreas onde a tecnologia está inserida é preciso medir com exatidão o custo-benefício de sua aplicação, bem como de seus efeitos na vida cotidiana a fim de evitar que algo inicialmente projetado para auxiliar-nos e servir-nos acabe nos expondo à efeitos de vingança e nos torne dependentes e incapazes de lidar com a nossa insuficiência.